A seca que castigou o Pantanal entre 2019 e 2020 e armou o cenĂ¡rio para a pior temporada de queimadas da histĂ³ria do bioma foi a mais grave em 50 anos. E o mĂªs de abril do ano passado foi o mais seco desde que as medições começaram no local, hĂ¡ 120 anos. A constataĂ§Ă£o Ă© de um estudo inĂ©dito liderado pelo Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e pela Unesp, que serĂ¡ publicado na revista Frontiers in Water.
Os pesquisadores JosĂ© Marengo, Ana Paula Cunha e seus colegas fizeram um raio-X climatolĂ³gico da seca, analisando Ăndices de precipitaĂ§Ă£o e nĂvel dos rios. Descobriram que o nĂvel do rio Paraguai foi o mais baixo desde 1971 e a regiĂ£o como um todo recebeu entre 50% e 60% menos chuva do que o normal. Um dos Ăndices de precipitaĂ§Ă£o analisados foi o mais baixo da histĂ³ria.
A seca anormal tornou a regiĂ£o pantaneira excepcionalmente sensĂvel a queimadas possivelmente feitas por produtores rurais para abrir novas Ă¡reas de pastagem, segundo investigaĂ§Ă£o da PolĂcia Federal. No ano passado, esses fogos saĂram do controle e 30% do Pantanal ardeu em chamas. Mais de 22 mil focos de incĂªndio foram detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – um nĂºmero 76% maior do que em 2005, ano atĂ© entĂ£o recordista na sĂ©rie histĂ³rica iniciada em 1988.
Segundo Marengo, Ă© possĂvel atribuir a seca em parte ao aquecimento anormal do AtlĂ¢ntico tropical, que impediu que os chamados “rios voadores” – a umidade reciclada pela AmazĂ´nia que Ă© exportada para o sul da AmĂ©rica do Sul – irrigassem as bacias do Paraguai e do rio da Prata. O mesmo fenĂ´meno estĂ¡ por trĂ¡s da temporada de furacões de 2020 no Caribe, uma das mais ativas em registro, e da seca que fez o norte da Argentina ter uma das piores temporadas de incĂªndios de sua histĂ³ria.
Um bloqueio atmosfĂ©rico – uma Ă¡rea de pressĂ£o do ar muito alta sobre o Pantanal, que repeliu a entrada da umidade – se formou. “Nem a umidade da AmazĂ´nia pelo norte nem as frentes frias do Sul conseguiram chegar, e essa estabilidade sobre a regiĂ£o foi favorecida por um AtlĂ¢ntico subtropical Sul mais quente que o normal”, afirmo. Marengo disse que nĂ£o Ă© possĂvel cravar a impressĂ£o digital da mudança climĂ¡tica nesse extremo, “mas tambĂ©m nĂ£o posso dizer que nĂ£o Ă©”.
Uma coisa, porĂ©m, os cientistas afirmam: nĂ£o fossem as mudanças intensas de uso da terra no Pantanal nas Ăºltimas dĂ©cadas, a seca dificilmente teria provocado incĂªndios como os de 2020. “Se as tendĂªncias climĂ¡ticas e de manejo da terra atuais persistirem, o Pantanal como o conhecemos deixarĂ¡ de existir.”
Fonte: oeco