Dados inéditos levantados pela organização não governamental 'Repórter Brasil' mostram que substâncias tóxicas, acima do limite da segurança, foram oferecidas pela água que saiu da torneira de 763 cidades brasileiras, entre 2018 e 2020. Dentre elas, estão duas cidades da Paraíba, Itaporanga e Água Branca, ambas na região do Sertão.

Destaque-se que apenas sete municípios paraibanos foram avaliados, os demais não enviaram informações ou compartilharam dados inconsistentes. Ou seja, das cidades analisadas, aproximadamente 35% tiveram a água considerada imprópria para consumo entre esses anos.

Ácidos haloacéticos total e trihalometanos total (subprodutos da desinfecção) foram as substâncias identificadas. As informações podem ser consultadas através do Mapa da Água.

O que são essas substâncias?

De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), órgão da Organização Mundial da Saúde, ácidos haloacéticos são classificados como possivelmente cancerígeno para humanos. Em altas concentrações, os ácidos haloacéticos também podem gerar problemas no fígado, testículos, pâncreas, cérebro e sistema nervoso.

O trihalometanos também é classificado como possivelmente cancerígeno. A exposição oral prolongada a esta substância pode produzir efeitos no fígado, rins e sangue.

Como o teste foi realizado?

Os dados são resultados de testes feitos por empresas ou órgãos de abastecimento e enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde. Os testes são feitos após o tratamento e a maioria dessas substâncias não pode ser removida por filtros ou fervendo a água.

O que aconteceu?

De acordo com o professor Pedro Vianna da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que integra o laboratório de Estudos e Gestão da Água e Território, em ambos os casos, de Itaporanga e Água Branca, as substâncias são derivadas dos produtos usados no próprio tratamento da água.

"Com certeza deve ter acontecido um manejo inadequado de substâncias como cloro ou outras usadas normalmente no tratamento das águas. Esse manejo inadequado deve ter provocado reações químicas que formaram essas substâncias na água já tratada. Quem está em risco são as pessoas, não as cidades, é uma questão de saúde pública", explica.

Para reverter essa situação, o pesquisador indica que os operadores dos sistemas de tratamento de água nestas cidades devem passar por treinamento e por constante acompanhamento e controle interno das companhias de água, no caso da Paraíba, a Cagepa. Nos sistemas da Cagepa a responsabilidade é do Governo do Estado.

“Alguns sistemas são autônomos e eram apoiados pelo Governo Federal, através da Funasa, mas como sabemos, o Governo Federal nesta gestão tem cortado gastos em muitas áreas de alcance social e isso debilitou também a Funasa”, explica o professor do departamento de geociências.

Importante notar que o problema não vem da água in natura, quer dizer não é um mal da água na natureza, mas da água tratada, manipulada e alterada pelo homem para se tornar potável, é um problema gerado por ação humana.



Os moradores beberam água imprópria durante esses anos?

O professor Pedro Viana afirma que sim, em alguns momentos isso aconteceu, “mas não quer dizer que isso ocorreu todo o tempo, essas falhas devem ocorrer em alguns dias ou períodos, o que não retira a gravidade do fato”, explica.

Nesse caso, é preciso esmiuçar os dados de base para saber por quanto tempo isso ocorreu em cada sistema de cada cidade. “Se a contaminação for constante ou recorrente, aí a chance de problemas de saúde são preocupantes e de muita gravidade”, comenta.

O mapa em questão deve servir de alerta aos gestores para melhorar os sistemas de tratamento. Ele, o mapa, indica que há problemas que precisam ser sanados.

E as outras 216 cidades da Paraíba?

Segundo o pesquisador, esse é o ponto mais importante, pois apenas sete dos 223 municípios da Paraíba alimentaram corretamente o Sistema de Controle que montou o banco de dados, que deu origem ao mapa em questão, ou seja, só 3% dos municípios paraibanos estão no estudo.

O pesquisador acredita que é possível inferir que muitos outros municípios paraibanos devem ter problemas com a água ofertada aos moradores.

O que diz a Cagepa

Procurada pelo g1, a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) divulgou uma nota sobre o assunto.

"Sobre as informações contidas no mapa da água, divulgado nesta segunda (7), vimos inicialmente tranquilizar toda a população paraibana sobre a qualidade da água distribuída pela Cagepa no estado. Nossas equipes realizam constantemente o controle da água, conforme os planos de monitoramento definidos pela Portaria de Potabilidade, com aprovação inclusive das Vigilâncias Sanitárias municipais".

A empresa disse ainda que garante a qualidade da água que distribui à população das cidades de Itaporanga e de Água Branca, e que "vem exercendo ações para aperfeiçoar seus sistemas de tratamento para produzir água de qualidade e reduzir o tempo das ações corretivas, tomando as devidas providências nos casos pontuais de desconformidade". Afirmou também que as substâncias questionadas na reportagem "possuem um aparecimento pontual e sazonal, acompanhando estiagens rigorosas e recorrentes, como as enfrentadas no nosso Estado nos últimos 5 anos". A companhia disse ainda que mantém-se em alerta e já está tomando providências para que o mesmo não ocorra novamente.

A Cagepa também afirmou que "está em alerta constante em relação às substâncias que geram riscos à saúde, e que possam estar presentes na água".

O que dizem as prefeituras

Procuradas pelo g1, as prefeituras não se manifestaram até o momento.




Fonte: G1 PB