“Ainda não é a hora” é assim que o cantor Flávio José define a possibilidade de retorno dos shows neste momento da pandemia da Covid-19, na Paraíba. O cantor paraibano completa 71 anos nesta quarta-feira (1º).

“Se avexe não… Pois é. Não vamos nos avexar, não. Porque tudo acontece no tempo de Deus e é só a gente aguardar porque Deus é bom o tempo todo”.

Por causa da pandemia do coronavírus, Flávio está há mais de um ano sem fazer shows com a presença de público. O último foi realizado no dia 4 de janeiro de 2020, de lá pra cá, sem o calor do público e sem o prazer que é ver milhares de pessoas cantando os seus sucessos, o cantor conta que a vida longe dos palcos tem sido difícil.

“É muito difícil e complicado. A gente vem numa dinâmica de ensaio, de viagem, de show e de público e de uma hora pra outra tem uma parada brusca assim. Não é brincadeira, não”, disse.

Longe dos palcos, Flávio José também fez lives. — Foto: Reprodução/Youtube

Longe dos palcos, Flávio José também fez lives. — Foto: Reprodução/Youtube

‘A humanidade fecha os olhos pra não ver’

No entanto, a maior preocupação de Flávio, agora, não é o retorno imediato dos shows. Na verdade, o artista se preocupa como a flexibilização desenfreada das atividades e o risco de voltar a piorar o cenário da pandemia em todo o país. Um pensamento que vai além do pessoal e prioriza o coletivo.

“O que me preocupa é que estão abrindo as ‘coisas’, juntando não sei quantas mil pessoas em estádios de futebol, já estão relaxando com tudo… As pessoas esquecem que existe uma nova variante, a Delta, que está preocupando muito”, relatou.

Ainda segundo o cantor, apesar de mais de um ano vivendo uma pandemia, “as pessoas estão ‘brincando’” ao achar que já podem aglomerar.

“Eu não quero ser pessimista. Gostaria muito que no São João, próximo ano, já pudéssemos tocar. Mas, eu ainda tenho muita dúvida”, reforçou.

E não é pessimismo temer. Pelo contrário, é ter responsabilidade. Flávio José ainda falou sobre a importância da vacinação contra Covid-19 e o uso de máscaras mesmo após a imunização.

“Eu já tomei as duas doses e uso duas máscaras constantemente, como também evito estar saindo. Mesmo tomando as duas doses, a gente ainda vive em total insegurança”.

Flávio José  fazendo show com Santanna no São João 2019 de Campina Grande, o último que foi realizado — Foto: Iara Alves/G1

Flávio José fazendo show com Santanna no São João 2019 de Campina Grande, o último que foi realizado — Foto: Iara Alves/G1

‘A saudade faz parte de quem já amou’

O cuidado não anula a saudade, nem a esperança de que o grande encontro entre o forró, Flávio José e os forrozeiros aconteça. Onde esse encontro vai ser? Para Flávio, em qualquer lugar, desde que aconteça.

“Qualquer lugar depois dessa tragédia vai ser muito especial. A saudade é muito grande, então o primeiro lugar depois da pandemia vai ser muito especial”, disse.

Em versos eternizados na voz do monteirense, que canta, entre outros sentimentos, a saudade, essa, que “varreu tantos sonhos, deixou vazio tantos ninhos e colocou mais espinhos que flores”, na vida da maioria das pessoas, desde o início da pandemia, se busca um sentido para continuar acreditando em dias melhores.

Flávio José começou a tocar ainda criança  — Foto: Reprodução;Arquivo Pessoal

Flávio José começou a tocar ainda criança — Foto: Reprodução;Arquivo Pessoal

‘Eu me criei fazendo versos dedilhados na viola’

A história de Flávio José começou muito cedo e de uma forma muito especial. Ele tinha cinco anos quando ouviu seu ídolo cantar pela primeira vez. Foi onde aconteceu o primeiro grande encontro entre Flávio José e o Forró.

“Tinha cinco anos de idade quando vi Luiz Gonzaga fazendo um show em praça pública. Meus pais contam que, depois daquele show, eu fiquei aperreando eles por uma sanfoninha. Depois ganhei a sanfona e com sete anos consegui tocar a primeira música; aos 10 formei um trio de forró com dois irmãos; e aos 13 anos fui para uma orquestra de Sertânia, cidade vizinha a Monteiro”, contou.

Na orquestra, Flávio ficou até completar 17 anos. Depois disso, formou um novo grupo, desta vez, uma banda baile, que depois ficou conhecida como “Os Tropicais de Monteiro”.

Foi aí que Flávio seguiu um outro rumo em sua carreira: começou a trabalhar em um banco, em Monteiro. Anos depois, houve uma instabilidade na instituição, que fez com que o monteirense pudesse retomar o seu sonho de ser cantor.

“Talvez houvessem demissões, transferências e aí pensei: vou começar a gravar forró para ver o que acontece” foi o primeiro passo rumo ao sucesso.

A carreira artística começou em 1987, quando o cantor gravou a primeira música. O sucesso, no entanto, veio no início da década de 90.

“Quando olho pra você”, de autoria de Flávio, foi a primeira música “bem” tocada em rádios paraibanas.

O cantor, por alguns anos, conciliou a carreira de funcionário público e cantor. Chegou, inclusive, a ser chamado pelos colegas de trabalho de “o cantor dos 300 km”, pois não podia sair para lugares mais distantes, por causa do banco.

“Principalmente no mês de junho, quando os shows aconteciam no meio da semana, eu almoçava na cantina do banco e após o expediente ia embora com a banda. Depois do show, tomava banho no hotel, vestia a roupa de bancário e ia dormindo na viagem”, contou.

Após a saída do banco, a carreira de músico se tornou a grande propriedade da vida de Flávio. Começaram, então, as viagens em todo o Nordeste e até em outras regiões do país, para divulgar seu trabalho.

‘A lagarta rasteja até o dia em que cria asas’

Desde menino, Flávio ouvia os grandes precursores do forró fazendo história. Luiz Gonzaga, Dominguinhos e o Trio Nordestino foram os seus maiores incentivadores a, também, fazer da música a sua vida.

Para que se cresça, no meio da música, a ajuda de outros grandes artistas é fundamental. Essa ajuda aconteceu, para Flávio, quando cantores famosos gravaram suas músicas.

“Mas, se teve ajuda é quando a gente está começando e convida uma grande estrela para cantar no disco da gente e essa estrela aceita. Esse foi o caso, por exemplo de Elba Ramalho, Dominguinhos e Fagner”, contou.

Flávio José concentrado durante passagem em que ele faz um solo de sanfona — Foto: Thomás Alves / TV Asa Branca

Flávio José concentrado durante passagem em que ele faz um solo de sanfona — Foto: Thomás Alves / TV Asa Branca

‘As palavras que saem de mim vêm do meu coração’

A relação de Flávio com os compositores dos sucessos eternizados em sua voz foi sendo firmada com o passar do tempo. No início da carreira, o cantor escrevia suas próprias músicas.

“Comecei escrevendo umas 10 músicas. Naquela época, os maiores sucessos eram de Assissão e tudo que ele fazia era muito rápido. Então, a gente ia na onda dele tentando fazer músicas rápidas também”, disse.

Até que, em uma das idas de Flávio a Sertânia, em Pernambuco, um rapaz o ofereceu uma canção. “Eu perguntei: como é que ela é? E ele disse que era um xote. Eu disse: não, rapaz! Xote é muito lento”.

Mal sabia que seriam os xotes que o transformariam em um cantor reconhecido nacionalmente. Flávio acabou sendo convencido pelo rapaz. Ele argumentou lembrando que, das 14 músicas a serem gravadas para o disco do cantor “não teria mal” em colocar um xote. Ainda bem que Flávio concordou.

Foi realizado, então, o primeiro contato com o compositor Maciel Melo, que foi até Monteiro para pudessem se conhecerem pessoalmente. “Ele trouxe três presentes de uma vez só para mm: ‘Que nem vem vem’, ‘Caboclo sonhador’ e ‘Terra prometida’”.

Nas composições eram contadas histórias de amor, de saudade e de luta. Não tinha como não ser um sucesso.

Em seguida, outro sucesso anunciado: ‘Meu mungunzá’, de Petrúcio Amorim. Mais um xote, surpreendendo a ideia inicial de Flávio, que achou que as pessoas talvez não gostassem.

“Eu não preciso de você. O mundo é grande e o destino me espera… Eu só precisei ouvir esse trecho pra dizer: essa eu gravo”.

A relação com outro grande compositor, Accioly Neto, veio em seguida. “Nasceu uma aproximação, uma amizade e dele vieram muitas coisas maravilhosas: ‘Espumas ao Vento’, ‘Me Diz Amor’, ‘A Natureza das Coisas’ e tantas outras”, contou.

“Aquilo que a gente não pode mudar, aprende a conviver”, é o que o artista fala quando se refere aos “modismos”, que são as tendências musicais do momento e que mudam sempre. Não para Flávio, que seguiu fielmente o estilo musical do começo até agora, como deve continuar seguindo.

‘Inexoravelmente chega lá’

No coração do nordestino, que espera ansiosamente por esse reencontro, entre um dos artistas que mais bem representa o seu povo e eles, o que resta é não se “avexar”, afinal, a “natureza não tem pressa, segue seu compasso”. Como o próprio cantor recomendou, o momento é de espera e responsabilidade, para que quando esse encontro acontecer, Flávio possa ir de mala e “cuia”, levando seu talento e alegria. Tanto tempo depois de ter tido a vida revirada do avesso, o paraibano segue como quem sabe que com sua arte ele criou muito mais e vai continuar criando uma história assim, cheia de sucesso.

Fonte: G1